Cidadania para todos

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O Brasil não pode se tornar refém de grupos, sejam eles quais forem. O recente debate sobre o aborto, que começou com a posse da ministra Eleonora Menicucci, que demonstrou ser favorável a uma ampla discussão sobre o tema, tratando o caso prioritariamente como sendo de saúde pública, provocou uma avalanche de críticas por parte de grupos evangélicos. Em defesa da ministra, o Secretário-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que é católico, deu declarações que também provocaram um clamor revoltado por parte desses grupos religiosos.

O deputado federal do PMDB do Rio de Janeiro, Eduardo Cunha, num arroubo de anjo vingador (não seria demônio?) conclamou os evangélicos a se unirem contra a ministra dizendo que ela deveria estar em Sodoma e Gomorra. Ora, sabendo que Deus usou sua ira contra essas cidades e, antes dos EUA, usou armas de destruição em massa, matando pecadores de toda espécie, entre eles mulheres grávidas ou não, crianças, bebês, idosos, etc, é de se supor que o referido deputado esteja torcendo pela morte da ministra. Não vamos tentar entender os desígnios de Deus nessa história. Não é esse o caso. Esse tema é para ser discutido nas escolas dominicais, nas Igrejas para quem tem paciência de frequentá-las.

O que queremos é discutir o aborto. Seu significado hoje, diante dos avanços científicos, e diante da realidade social. Sem hipocrisia, sem maldições entoadas por fanáticos mais interessados em vociferar contra temas como o aborto ou a questão homossexual, mas que ficam caladinhos diante da corrupção e da infinidade de benesses pagas com dinheiro público que, para eles, caem como maná do céu. Não. O silêncio aí é sepulcral. Aí vale o toma lá, dá cá. Nada contra indivíduos como Garotinho, assíduo frequentador das páginas policiais. Sua atuação na quase greve da Polícia Militar do Rio de Janeiro beirou a irresponsabilidade total, mas se ele gritar que o fez para honra e glória do senhor, tudo bem. Vota-se com o governo e se ganha uma concessão de rádio aqui, uma TV acolá e tome doutrina nos fiéis.

A sociedade civil deve se pronunciar. Intelectuais devem sair de seus casulos universitários, com seus incentivos à pesquisa, e contribuir para que a discussão tenha outro nível. Como fez Peter Singer em sua Ética Prática, publicada no original inglês em 1993 (há quase vinte anos), que faz uma bela reflexão sobre a diferença científica entre embrião e feto. Em que momento aquele amontoado de células se torna uma vida eminentemente humana? Seus argumentos apontam para o absurdo de como esse tema é tratado de forma rasa pelos grupos radicais.

Não nos escondemos. Nossa posição é pela ampla discussão da questão, de maneira clara, científica e laica, como preconiza nossa constituição dando cidadania a cada vez mais pessoas.

Os mais bem aquinhoados fazem toda sorte de exames pré-natal e podem, diante do resultado, praticar o aborto em clínicas bem preparadas para tal. Os mais pobres, não. A ira dos evangélicos radicais é contra esses mais pobres que devem condenar suas filhas e filhos a uma gravidez precoce e cheia de riscos. O que queremos é cidadania para todos. Afinal, este não é um país de todos?

Enilson Simões de Moura – Alemão

Presidente do Sindbast e vice-presidente da UGT

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