Comerciantes denunciam cobrança de propinas por licenças na Ceagesp

Reportagem de autoria e publicada pela Folha de S. Paulo

Promotoria investiga denúncias sobre a estatal, gerida por indicados do deputado Fausto Pinato (PP-SP)

 Artur Rodrigues

SÃO PAULO

Maior central de abastecimento frutas e verduras da América Latina, a Ceagesp, na Vila Leopoldina (zona oeste de SP), está envolta em uma série de denúncias de loteamentos ilegais e cobrança de propina.

O espaço, de responsabilidade da União, é administrado por indicados do deputado federal Fausto Pinato (PP-SP). Os indicados incluem até o pai do parlamentar, condenado por homicídio.

Permissionários descreveram à Folha um ambiente em que tudo se resolve com dinheiro ‘por fora’, da reserva de vagas para caminhões com caixas de madeira até a autorização para construção dentro do terreno público.

O Ministério Público investiga suspeitas de cobrança de propina e de uso ilegal do espaço público, entre outras. Há ainda ação questionando a cessão para o uso de espaços dentro da Ceagesp sem licitação.

A direção da Ceagesp rebate as acusações, que classifica como calúnias com intenção de ofender a honra de Pinato.

A influência do deputado sobre o entreposto vem da gestão de Michel Temer (MDB). A gestão Jair Bolsonaro (PSL) já deu sinais de que pretende privatizar o espaço, e o atual governador João Doria (PSDB)vende a ideia de transformar o lugar num polo de tecnologia.

Enquanto isso não acontece, a Ceagesp recebe cerca de 50 mil pessoas e 12 mil veículos todos os dias. Quem trabalha no local ou o frequenta tem que desviar de montanhas de lixo e tomar cuidado para não ser assaltado.

Por ser um órgão federal, todo tipo de permissão exige trâmites burocráticos e até licitação. Um processo pode ficar esquecido nas engrenagens do sistema ou ser resolvido em tempo relâmpago.

A Folha conversou com mais de uma dezena de permissionários. Sob condição de ter os nomes mantidos em sigilo, por medo de represálias, eles dizem haver uma tabela informal as autorizações.

Por exemplo, para ter autorização para usar uma empilhadeira, a propina seria de até R$ 30 mil, dizem. A permissão para a transmissão de boxes custaria R$ 50 mil ou mais, afirmam.

Segundo eles, a abordagem acontece após a entrada nos pedidos por pessoas que atuam como lobistas na Ceagesp —outros comerciantes, sindicalistas ou um funcionário de menor escalão, com bom trânsito com superiores.

“A Ceagesp padece de um mal crônico, que são as indicações políticas”, diz Cláudio Furquim, presidente do Sincaesp (um dos sindicatos dos permissionários). “Há conflito de interesse grande quando um deputado indica o pai.”

Ligado ao deputado Pinato, o presidente da companhia, Johnni Hunter Nogueira, no cargo desde 2017, chegou a ter a exoneração recomendada pela CGU (Controladoria Geral da União), por falta de requisitos para ocupar o cargo, o que internamente se atribuiu a falta de documentos apresentados depois.

Já o pai do deputado, Edilberto Donizete Pinato, é coordenador de Governança Cooperativa, com salário de R$ 19,5 mil mensais —ele ficou no cargo mesmo após ter sido condenado por homicídio em primeira instância em 2018.

A representação que deu origem à investigação na Promotoria do Patrimônio é assinada pelo Sincaesp. O documento elencava inicialmente pontos relativos à antiga direção, mas avançou para supostas irregularidades na atual, citada nominalmente em anexo.

“Foram citadas uma série de condutas que estão sob investigação, mas o inquérito é sigiloso”, diz o promotor José Carlos Blat, da Promotoria do Patrimônio.

Um dos pontos que deve ser apurado é a autorização, sem licitação, para que fosse construída uma grande edificação para o comércio de laticínios. As obras no local estão em estágio avançado.

Há também uma grande proliferação de banquinhas de vendedores ambulantes, que tomam as plataformas por onde circulam carrinhos com as mercadorias. Devido à dificuldade para conseguir permissões no local, o fato de esses ambulantes terem sido autorizados gera perplexidade.

Em outro inquérito, o promotor Blat apura eventuais irregularidades na contratação de uma empresa para assumir o estacionamento. Em certa ocasião, os permissionários receberam para pagamento um boleto em nome de outra empresa, com sede em São Luís (MA) —a Justiça vetou a cobrança e a Ceagesp afirma que foi tudo um erro.

Na área reservada aos caminhões, é comum a prática de reserva de vagas com caixas de madeira. A reportagem viu cadernos com placas de veículos e os valores pelo serviço, na casa dos R$ 500 por mês.

Mesmo não sendo investigados, outros serviços, como de limpeza, deixam a desejar. O terreno de mais de 600 mil metros quadrados é repleto de montanhas de lixo.

OUTRO LADO

A direção da Ceagesp nega irregularidades e diz que as denúncias têm como motivação ofender a honra do deputado Fausto Pinato e da diretoria.

“[As investigações] são da gestão passada, mas, ainda que estivessem relacionadas à atual gestão, sou a favor –tem de se investigar”, afirmou o deputado, em nota. “Deve ter muita gente plantando notícias falsas na Ceagesp, na tentativa de defender interesses próprios.”

Já a Ceagesp afirma que as cobranças feitas pela companhia são transparentes e obedecem a normas operacionais. “Não existe propina alguma.”

O comunicado da Ceagesp afirma que um dos inquéritos citados pela reportagem se refere à gestão anterior da companhia, mas que a empresa colabora com a Justiça. A Folha apurou, no entanto, que foi feito um anexo mencionando a diretoria atual e suspeitas que pesam sobre ela.

A Ceagesp afirma que o prédio em construção está regular e que há outras formas de permissão além da licitação.

Sobre as bancas de camelôs, a Ceagesp diz que as autorizações foram feitas nas gestões anteriores, que a comercialização está “legitimada” e que as bancas não causam obstáculo.

A companhia diz que a responsabilidade sobre o estacionamento é de terceirizada. A administração admitiu “graves problemas” de limpeza e afirmou que faz a fiscalização.

Sobre o fato de o pai do deputado ser condenado, afirmou que não há impedimento legal para sua atuação. Pinato afirmou que o pai foi absolvido em um júri e condenado em outro. “O julgamento ainda não terminou.”

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