O precariado bate à nossa porta

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Temos lido nos jornais o governo brandindo, apoiado em pesquisas como as do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que o desemprego está na casa dos seis ou sete por cento. Deveríamos estar felizes, pois o índice representa pouca gente desempregada se considerarmos as taxas de desemprego em outros países, como a Espanha, em que chega a 26%, e Portugal, com 18%. São números. E os números podem esconder muita coisa.

Recentemente, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) realizou importante seminário que contou com a participação de inúmeros conferencistas, entre eles Guy Standing, professor de Desenvolvimento na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres. O convidado já atuou como consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL).

Guy Standing acaba de lançar no Brasil o livro O precariado: A nova classe perigosa. O termo do título é uma junção das palavras e dos conceitos “precário” e “proletariado”. Para o autor, trata-se de uma classe emergente que assusta porque é mal compreendida e, ao mesmo tempo, recusa o papel que lhe é destinado.

Muitos dos empregos oferecidos hoje no Brasil são trabalhos temporários. Quando chega a Páscoa, contrata-se. Logo após, rua. O mesmo para outras datas comemorativas, como Dia das Mães, Dia dos Namorados, Natal, etc. São pessoas que vivem dos chamados “bicos”. Às vezes terceirizados, às vezes nem isso, esses trabalhadores passam suas vidas buscando os benefícios que a sociedade de consumo propagandeia oferecer, mas só conseguem a superficialidade da mera sobrevivência. Não têm representatividade social, não são filiados a sindicatos, não possuem associação.

Eles gravitam em torno da riqueza, mas dela não podem participar. Seus empregos são voláteis. Nesse cenário, surgem instituições que prometem a redenção com cursos de curta ou longa duração, idiomas, etc., que de pouco ou nada servirão devido à baixa qualidade das instituições de ensino no País. Infelizmente, são colocados no mercado de trabalho engenheiros que não sabem construir, professores que não sabem ensinar, administradores que nunca o serão. São iludidos pela precariedade social. Uma vez com o diploma na mão, nada acontece.

Com isso, vêm a frustração que observamos hoje nas ruas, nas redes sociais. Uma cidade em ebulição, com pessoas estressadas e prontas a explodir à menor contrariedade. Antes do paraíso anunciado em que deveríamos viver, para muitos, o que se anuncia é o inferno.

Assim, podemos culpar os imigrantes que vivem o precariado absoluto, como o caso de muitos bolivianos, vítimas, às vezes, de especuladores da mão de obra barata que os transformam em quase escravos. Cada vez mais, acompanhamos na mídia notícias de grandes marcas e grifes de roupas que recorrem ao trabalho escravo na confecção de suas peças. E o mais preocupante: a sociedade parece não se chocar ou se incomodar mais com tamanho absurdo.

A chegada dos haitianos em busca de trabalho e moradia causou estranhamento para a maioria, mas pouca ação de acolhimento. Não podemos nos esquecer, no entanto, de que nós, brasileiros, também estamos espalhados pelo mundo. Muitos, aliás, trabalhando e vivendo em situação precária em busca de melhores condições de vida.

O exercício pleno de cidadania, sem comprometer a empregabilidade, é hoje um grande desafio. Decifrar e entender os números oficiais do governo, com um certo olhar crítico, é uma tarefa da qual o dirigente sindical e o cidadão ativo não podem prescindir. Do contrário, retrocederemos décadas ou até mesmo séculos no que diz respeito às conquistas da classe trabalhadora. Os novos tempos do precariado batem à nossa porta. Como diz Caetano Veloso: “Precisamos estar atentos e fortes”.

Enilson Simões de Moura – Alemão (presidente do Sindbast)

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