Alerta geral! Faltam ordem e projeto!

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Fiquei preocupado ao ver as fotos do conjunto seco de reservatórios que abastece de água cerca de nove milhões de pessoas. Alerta! No dia 13 de maio o nível do sistema Cantareira – o mais importante da região metropolitana de São Paulo – atingiu 8,6% de armazenamento de água. E embora a mídia martele diariamente as quedas daqueles níveis em contagem regressiva para o apocalipse da falta de água, não me parece haver comoção na fisionomia das pessoas, nem bom senso em discutir o assunto como um dos cruciais problemas da sociedade brasileira, do consumo desmesurado e do desperdício.

Essa água que mata a sede é a mesma que falta às represas geradoras de energia elétrica para evitar colapsos no fornecimento de luz e força em época de clima hostil também para setores agrícolas e agropastoris. Mas como impuseram aos brasileiros um olhar do mundo através dos óculos piratas do economês, tudo parece ficar bem quando a luz se acende para iluminar o apagão ou quando o preço do tomate, das hortaliças e do leite volta a refletir a boa produção, porque o tempo melhorou. Ou melhor, se a inflação chegar ao centro da meta, seja lá o que for essa expressão esgarçada que faz sorrir o ministro da fazenda e mantém ignorantes os brasileiros.

Os avisos de que não haverá racionamento de qualquer coisa e de que a inflação está sob controle bastariam para aquietar uma sociedade (especialmente sua parte mais pobre) envergada sob o peso dos impostos que não lhe aliviam a carga da falta de habitação, saúde e educação para os filhos? Acho que não porque sobre racionamentos e a inflação – dentre outras tantas coisas essenciais no País – o brasileiro não tem voz nem voto: o lado bufão do marketing extraiu o conteúdo da política, onde se deveria produzir a concordância da maioria, o respeito às minorias e tornar legítimo o poder que rege a sociedade. E nos deixou uma casca oca e acetinada, como a de bolas de pingue pongue, que interrompem o jogo a cada trincada ou amassada.

Teríamos então deixado de ser cordiais e solidários? De maneira alguma. As tragédias no Brasil sempre mobilizam doações e voluntários para tapar a ausência do Estado. Espaço aliás ocupado, com ou sem tragédia, pelos “foras das leis” dos tráficos, dos sistemas econômicos, tributários e institucionais.

Alerta geral! A tragédia do Brasil é que a perversidade da falta de projeto captura os brasileiros das redes do paternalismo privado para as cercas do assistencialismo de Estado mantendo todos com foco localizado e restrito, impedidos de ver além da própria necessidade, da vitrine do shopping, do outro lado da rua, o bairro distante da mesma cidade. O País de todos e todos do País. Banalizada a cultura, a moda, os celulares, as redes sociais, as redes de alimento, as redes de vestuário, as escolas e os botequins, não há mais cidadãos e coletivos, mas indivíduos em busca de conjuntos de sons e imagens, túnicas e tênis de mesma textura, sabor e potencial de prazer. “Surfar em qualquer onda” vale tanto quanto escolher as fileiras do protesto do dia: para o bem, para o mal ou mesmo para ganhar um dinheirinho “honesto” agitando bandeira no comício.

Banalizados os poderes independentes e harmônicos da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – ao povo parece que cada qual com seus trejeitos, seu palavreado incompreensível ou ameaçador, quer assumir o poder a qualquer custo, prejudicando a Nação e beneficiando seus indivíduos membros. Para os brasileiros do Planalto, há mais de uma década, o mal são os outros: anátema que poucos poderosos se dispuseram a assumir na História, a não ser contra “povos” adversários e inimigos de seus reinos ou nações, em geral por razões não reveladas – como nas Cruzadas e na Inquisição. E sempre pagaram a língua pela ousadia de quem os insuflou. Por enquanto, estamos pagando aqui uma sutil divisão entre brasileiros que querem o bem e o mal de outros brasileiros, como um fratricídio light, que só dá o golpe de misericórdia pouco antes de depositar o voto (secreto) na urna.

Porque então – tenho ouvido por aí – não chamamos os militares para por ordem no País? Mas o governo federal os tem chamado, pois não? Para apascentar as favelas do Rio de Janeiro e garantir a Copa do Mundo da Fifa de 2014 e a Olimpíada de 2016, acudir nas estradas que escoam a produção e unem as pessoas e tentar tomar conta das nossas enormes fronteiras, sem equipamentos e apoios logísticos adequados. Muitas vezes em substituição às polícias, que de instituições do Estado para a lei e a ordem, estão cada vez mais rotuladas de “forças criminosas de governo”, que podem ser substituídas com vantagens – no imaginário popular – pela bandidagem caridosa ou por milícias que impõem suas próprias ordens e a pronta justiça do justiciamento.

Não há força pública no mundo para dar conta, de maneira adequada, de tantas manifestações – pacíficas ou violentas – como as que andam acontecendo diariamente nas cidades brasileiras: da queima de ônibus e metralhada de delegacias a interdição de regiões estratégicas, como as que concentram hospitais, na capital paulista. Sem contar as decorrentes de interrupções e falhas frequentes de serviços de transportes estratégicos como os de trens e metrôs.

Nem há polícia e criminalística para evitar e elucidar os assassinatos de jovens, as chacinas, os acidentes automobilísticos, as falcatruas, os massacres e as atrocidades cometidas dentro e fora das cadeias do Brasil em números que só as pesquisas dos acadêmicos revelam com o rigor possível. É isso que não se discute e que a mídia só repercute. É disso que os cidadãos se nutrem pelo nível mais raso da informação que os mantém dentro de casa, longe das ruas, das balas perdidas e dos outros cidadãos com que poderiam fazer uma coletividade mais forte consciente e politizada.

Tudo isto individualmente que o especifico e o local prevalece sobre o coletivo e o interesse geral, falta ao País um Projeto. Projeto de nação que una vontades e mobilize corações e mentes!

E assim mesmo, nesta pátria de chuteiras onde os atletas selecionados vêm de fora e onde sobrarão estádios e ainda faltarão escolas, postos de saúde e moradias, há gente que protesta contra a “copa”, que põe fogo nos ônibus do transporte de serventia a seus pais e filhos. São aqueles que ficarão de costas para os monitores de TV dos bares onde irão beber chope com os amigos nos dias dos jogos do Brasil? Fiquei pensando. E se tivéssemos 200 milhões em ação vestindo uma camisa com os dizeres: “ordem e projeto”?

Texto: Arnaldo Jardim, Deputado Federal (PPS/SP)

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